Beabá

Amarrada, a água amórfica, antes adorada, agora agoniza aliviando a alma ao além;
bem bêbados, bárbaros bebem banalmente balbuciando bestialidades à baco;
crioulos carniceiros cantam canções canônicas a corações céticos e carnais;
diariamente danifica-se dinastias deduzindo-se dificultades em destituir divindades;
este enunciado é errado e extirpado exatamente em 5, 4, 3, 2, 1.

JA

Eu não conto mais a vida pela idade e também não a vivo por vaidade.
JA não ando sozinho e muito menos de qualquer jeito.
Por que eu andaria assim? Quem foi o desalmado que inventou a solidão?
Até a solidão precisa de alguém pra senti-la.
Ainda fico a sós e nós nos seguramos com uma, duas, três dobras.
Me amarro. E se me calo é porque quero ouvir tudo o que os teus olhos têm a me dizer.
O meu silêncio traz o choro ou o riso; O meu riso traz a alegria ou a exortação;
E o meu choro, seja qual for a situação, me traz o teu abraço.
Para a ação, uma reação.
E para mim, você.

A Maré

Era uma linha fixa que percorria um trajeto invisível e interligava seus olhares-horizonte.
Os sentimentos navegavam e aportavam em margens oculares opostas levando consigo a mensagem que queriam.
Quem via os sorrisos de ambos não sabia ao certo quem estava se rendendo e quem estava pronto para atacar.
O oceano os embalava até os braços um do outro.

A maré quando a lua arrasta o pensamento pra onde ela quer.


Premonição Onírica

Enquanto foi trocar a gravata que sujou com geléia, o seu café esfriou.
Faltavam poucos minutos para as nove, é verdade. Mas pensava ser impossível descobrir por si mesmo um bom dia sem ter consumido um reforçado café da manhã.
Fez uma nova bebida, desenhou estrados de margarina em sua torrada e, de repente, deu-lhe até vontade de comer um omelete com queijo que fosse bem convidativo a um suco de laranja como acompanhamento.
Os ponteiros avançavam e o fluxo de carros aumentava lá fora. Tudo bem, ele tinha o seu ritmo.
Fazia o seu próprio tempo e não dependia dos relógios de outrem para contar cada segundo da sua vida.
Agora, a vista comum, já estava atrasado. Ele confiava em si e isso era o que importava.
Mais uma olhada no espelho, e... pronto. Uma boa imagem para um homem bem sucedido.
Pegou as chaves de seu carro no aparador próximo a porta. Pôs a mão na maçaneta e quando puxou a porta, ouviu um rangido estranho como de um sino bem agudo e irritante. Ao deixar a porta entreaberta, sua visão foi ofuscada por uma luz bem clara e intensa que o fez pronunciar as primeiras palavras da manhã: _Cinco minutos.
Uma confusão se fez em sua mente e sentiu o corpo mole e um tanto sonolento.
_Só mais cinco minutos.

Quando a luz que parecia que iria o cegar atingiu o seu auge, ele enxergou um outro cenário. Tudo mais simples, sem a pompa do lugar de antes.
Tentou abrir totalmente os olhos e viu alguns porta-retratos e se reconheceu. Olhou ao redor e avistou um calendário. Três de dezembro de 2010. Olhou para o relógio e viu que já eram 8h da manhã e estava atrasado para a aula.

Após o ritual automático liderado pela pressa, pode refletir sobre o seu sonho.
Mal sabia ele que o seu futuro acabara de passar por seus olhos de esperança.

Divagação

Ter quase nada ou quase tudo ainda não é tudo ou nada; É quase.

Lacerda

O mulato descia o Pelô. Vinha em passos mansos pro chinelo não passar de liso naquelas pedras-sabão, apesar de todos falarem que ele era lento daquele jeito mesmo. Andava no ritmo do axé desbotado como se o branco quem estivesse tocando o tambor.

_Tá mancando, neguim? - gritou o vizinho.
_É não. - respondeu o rapaz que continuava o caminho andando de manso.

Ele não fugia do trabalho desde que aceitassem que ele o fizesse à sua maneira. O patrão beirava a moléstia da raiva quando via o moço do tererê levando as caixas de volta pro carro.

_É pra ficar direitinho, visse? - justificava a velocidade em questão.

Nunca ninguém tinha visto homem assim pra calmaria. O desespero nunca chegou nem perto dele e quando levantava já estava pronto pra resolver a questão. E ainda se gabava dizendo que o segredo era pensar duas vezes antes de agir. Nisto, o povo concordava porque o "bixin" pensava duas, três, quatro... E quantas vezes mais fossem necessárias. Em casa, pediu benção pra tia e foi pra rede esticar as juntas. A tia já o olhava com cara de quem comeu acarajé sem vatapá. Largou o pano de prato no ombro, apoiou as mãos na cadeira e já foi perguntando:

_Já se arrumou nos estudos por aqui?
_Ainda não, minha tia - respondeu após esticar os braços enxotando a preguiça que nunca ia embora e colocar as mãos sob a cabeça pra fazer de travesseiro.
_Pois então, dê um jeito amanhã mesmo senão eu vou ter que conversar com a tua mãe, entende?
_Beleza, minha tia.

A tia voltou pra beira do fogão pensativa. "O que será que esse menino tá pensando da vida? As coisas por aqui não são assim. Ainda quero que ele volte pra terra dele pra ele voltar pro rumo!", pensou.

Nessa mesma hora uma fitinha do Bonfim arrebentou em seu braço.

Na última vez em que falei com o Lacerda ele estava saindo de uma prova no CT da UFES. Estava super desapontado depois das férias frustradas na Bahia. Sem ainda entender o porquê de a tia o ter mandado de volta, ele conversou comigo:

_Rapaz! Eu realmente não sei o que deu errado. Eu agi exatamente como você disse e mesmo assim não deu certo. Acho que não vou conseguir o estágio de engenharia na empresa do meu tio.
_Pois é, rapaz. - respondi em tom apropriado - Acho que você não se comunicou bem.

Coitado do Lacerda.

Espermaumanóides

Eis o movimento repetido e ridículo.
Pessoas correndo atrás de cada novo ônibus que chega no ponto. Os veículos estão lotados mas elas insistem de forma hipócrita em dizer que o coletivo está vazio.
Tudo o que elas querem é chegar ao útero de suas casas e se prepararem para nascer junto com um novo dia.
É um fenômeno feio, escravizador e bestial.
Como havia trânsito nas trompas e os espermaumanóides lutavam incessantemente para entrar no carro, esperei 1h30mim na esperança de um óvulo vazio.
Mas depois de todo esse tempo, me toquei que esperar ônibus é foda; o meu trabalho estava um saco e o que eu realmente precisava era gozar do conforto do meu lar.
Enfim. Entrei em qualquer ônibus mesmo e após duas horas entre espera e viagem, cheguei em casa.
Agora fico pensando na correria que foi o dia e tento me lembrar de ir prevenido amanhã, quando recomeça a putaria.